segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
A uma Capuleto
Perdoem-me, amores, mas eu preciso dizer: andamos brigando com o impossível. Socando o ar. Urrando de ódio contra o nada. Pois me diga, minha Julieta, se não notou que, enquanto você riscava ferozmente o nome "Montecchio" de seu diário, um belo rapaz nu abandonava sua cama e partia pra bem longe do seu lado, dos seus braços e dos seus cabelos negros molhados.
Andamos brigando com as letras e gritando em silêncio. Ontem mesmo comi um punhado de terra: queria que em meu ventre brotassem rosas azuis. Mas a vida não é feita de pequenos encantos literários. De breguices insanas que desaguam de minha boca: "amor meu, coisinha do meu coração, furor de meus dias, vem fazer a vida ser mais bela." A vida é mais bruta e dura. E, se aquele homem de meus sonhos raramente entende o que eu digo, é que ando mais tentando alcançar as palavras - na minha vaidade de conhecer todos os sinônimos do mundo - do que expressar os instantes. O instante não diz "eu te amo", porque seria por demais piegas. Como eu disse, é tudo sempre bruto e duro. O instante olha, alcança a mão, acaricia as linhas da palma e brinca de ler o futuro. E sempre erra. E o instante é incapaz de prometer. Daí que buscamos promessas nas palavras. Pra-sempre. Por-toda-a-vida. Amor-meu. Encanto-de-fim-de-tarde. Elas prometem que todas as coisas podem, um dia, vir a existir. Ou que agora já existem, da forma como acreditamos. Permitam-me que eu seja didática: amores, as palavras são tão-somente a forma como inventamos o mundo.
Mas, não, não tentem arranhá-las, matá-las, riscá-las: o mal maior já foi feito bem antes, bem cedo. São formas-donas. Donas de nós. Bem cedo Montecchio se chamou Montecchio e o jeito agora é fazer amor com o nome-homem inimigo - achando graça no proibido. Montecchio é mais gostoso porque se chama Montecchio. Fosse um simples Romeu Qualquer - um Silva, Moreira ou Vinoli - , não haveria porque trancar a porta do quarto, fazer de tudo pro papai não ver e muito menos pedir pra ama de leite proteção de anjo da guarda.
Ah, esses nomes. Acaso ferí-los com ferro poderá, de fato, matá-los? Já existem, flutuam no infinito, e não há morte para o que nunca viveu. Quem vive somos nós, feitos de carne e carbono - e um pouquinho de alma. Por isso eu apenas brinco com eles, já submissa. Montecchio, bicicleta, coração. Casa, orgasmo, coragem. Vício, virtude, Deus. Facilidade, vicissitude, razão. Lançamento, atitude, ilusão. Demônio, alturas, vertigem, sonho. Grito.
Meu nome hoje é Grito. Mas Rebeca é sempre coisa rara. Minha razão de querer me fazer todas as outras - e todos os outros - do mundo. E depois ter pra onde voltar. Um corpo com nome de mulher.
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