quarta-feira, 23 de julho de 2008

A casa está vazia, queridos. Mas nem por isso eu sofro. A verdade é que estou feliz. Incoerentemente feliz. Todos os meus filhos me trouxeram hoje flores e bombons. Todos os meus filhos do mundo vieram e fizeram uma festa em minha casa. No quintal mal-varrido. Na minha angústia perdida. Eu vi, eu vi. Eu vi e eu sei que vocês não acreditarão. Dirão logo que meu ventre estéril não poderia fazer sequer um zigoto. Menos ainda abrir o mundo para uma imensidão de meninos de infinitas cores fazendo um baile no jardim de casa. Uma casa que também nunca existiu. Sei das minhas trancas, queridos. Olhei janela afora e vi apenas um muro amarelado. Coisa clichê. Clichê de gente presa. Não gosto. Prefiro minha fantasia. De corpo volumoso sem medo de dar à luz. Sem medo de ser. Queridos, queridos. Não há muro ali. Meu ventre é verde e aguado. E as flores não páram de crescer. Eu vi uma ninfa no meio do mato. Rolava na relva. Coisa mitológica, não sei bem explicar. Por não saber explicar, perco o sentido. Digo coisa qualquer. Mas eu juro que é muita coisa. Tudo o que eu digo hoje, queridos, é muita coisa. É muita coisa porque a casa está vazia e mesmo assim eu não sofro. Mesmo assim eu me sinto bem. Mesmo assim eu olho por essa janela do muro e sei que há um caminho em frente. Mesmo assim, queridos. Mesmo assim.