domingo, 17 de agosto de 2008

tontice
vive-se à maneira formidável contra humana pq morre-se de humanidade
humano é oposto de arte
exige boa saúde diagramaticamente imprópria
arte
se não mata ou engorda
adoece
cozinha à brandura duma febre
tolice...
vou drenar abscessos
volto depois.
O mundo é um aceno. Um aceno distante. Está bem ali, queridos. Fazendo formas mil. Inventando o jeito como a gente deve ser. Eu não me queixo. Sem uma coisa inventada a priori, eu jamais teria o que dizer. Nem palavras para tal. A borda do mundo me segura. As paredes do navio me prendem nesse balanço infinito e morno que me enche de vontade de seguir em frente. Rumo a. Àquele aceno distante. Logo ali, queridos.

Eu não me queixo. Preciso de um deus forte que me segure por um tal fio delicado que me mantém de pé. Meu deus dono e senhor puxa o fiozinho e então às vezes eu ergo a cabeça. Olho pra frente. Deixo descer uma lágrima que segue o caminho longo entre olho e seio esquerdo, seio esquerdo e umbigo. E depois some. E então minhas mãos são concretas. Fazem coisas concretas. Escrevem palavras e carregam coisas importantes. Trocam dinheiro. Dão e recebem. Entram em contato com a matéria e me fazem notar que tenho um corpo. E então minhas mãos são de fada. Acariciam bem. Devagarzinho. Num delicado milagre. Que quase ninguém percebe.

E então a vida é concreta. Não acena logo ali. Está aqui. Pouca, miúda, quase um nada. Mas vida. Em uma plenitude misteriosa que a gente raramente vê. Na maior parte do tempo a gente acha que ela acena. Logo ali, junto com o mundo. Aquele aceno vazio...


Com amor e em vida,

Rebeca

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

carta divã

A cabeça. A sentença. E então a morte. Eu ouço quando falam da morte e não acredito. É como se contassem sobre fadas cintilantes. É como se ficassem a cada dia um pouquinho mutilados e então inventassem pequenas lendas pra explicar que fim leva nosso corpo. Sou limpa, limpa, e moro numa casa limpa e ando em ruas limpas e sou toda inteirinha vestida de branco do pescoço aos pés. Mas minha cabecinha suja só me faz pensar em uma orgia de mutilados e em loucos cantando indecências rua afora. Minha cabecinha inventa um lamaçal de alegria e sugere que a beleza jamais seja tanta que não precise ser consertada, nem a feiúra seja um excesso que precise ser urgentemente descartado. Eu quero que tudo caiba. Na palma da minha mão. Nos riscos do meu destino. No desalinhar do meu caminho. Este caminho torto que eu quero consertar sempre. Pelo simples prazer de ser boa. Pela graça da descoberta. Pela ânsia de mostrar que sou mais do que um corpo pensante, humano, pulsante, que tenho mais do que aquela inteligência básica que me permite reconhecer cores e usar talheres. Eu quero a genialidade dos deuses, o poder dos trovões, a força da maior das ciências - ainda desconhecida. Quero ser acima da mulher, do homem e dos sexos todos. Daí que hoje, acariciando a morte e celebrando a vida, meu nome é inveja, desejo e glória. Hoje. Enquanto me esqueço, por uma brevidade, que sou tão-somente um bichinho, uma coisinha, uma alguém-aqui-apreciando-o-instante.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

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Ah não! Juro que tentei reclusa, em prece pedi para que ninguém fizesse barulho algum, que casa alguma fosse ocupada, sem luzes acesas, sem visita. Mas foi trazida até aqui e vi o ainda pulso em vida e quis gritar para que calassem!

Ah todo esse tempo e distância! Essa mudez fez com que eu entrasse em contato com coisas, meus queridos. Coisas essas que, de fato, não conceberiam que eu as tivesse conhecido isenta de goles ébrios.

Mas assim foi.

Descobri que dentro de mim há legiões angelicais e demoníacas. Os dois grupos juntam-se formando um grande Deus e um grande Demônio. E eles convivem aqui dentro, bem grandes e se alastrando por meus poros.

Nada disso me choca. Meu medo é não saber até onde podem eles alcançar.

E se meu excesso de Deus aflorar? Rasgar-me-ei de uma bondade a qual não quero. Deixar-me-ei livre de todos os caprichos e encantos que me decoram, terei de olhar-me feia ao espelho porque cultuarei uma beleza que de dentro pequenina transitará para o fora. Não quero! Não quero não me deliciar com os abusos, as cores, os cheiros e os prazeres. Não quero esperar complacente a diretriz de um mundo sem que eu possa girá-lo. Não!

Não quero me distanciar do que me faz humana e por isso peco deliciosamente. Mas se eu dele me desfizer? Se tirar todo esse Deus do dentro?

Só o Demônio, então. Até onde eu iria? Ah, cuspiria sem escrúpulos nas caras sujas dos que me sangram. Diria todas as verdades com palavras duras e nada rebuscadas até que visse escorrerem lágrimas de sangue em todos os outros que a mim olharam de maneira atravessada. Atropelaria todos que cruzassem meu caminho. Contaria os segredos alheios que guardo justamente para quem nunca os poderia saber. Acabaria com vidas e riria em gozo. Desmentiria todas as juras que são criadas para uma boa convivência. Não! Não posso assim ser!

Não quero me distanciar do que me faz humana e por isso não poderia ser assim tão cruel! Em meu peito dói um coração ao entrar em contato com as maldades do meu Demônio particular e não posso deixá-lo tomar conta de minhas cavidades todas e fazer de mim um inferno.

E agora que sei que assim sou? Sensível e incapaz de nortear até onde vai minha bondade e maldade tenho evitado quaisquer excessos.

Amar, sorrir, acolher, comer, beber, dançar, odiar, prazer, escrever, falar. Cada um desses pode me levar a uma bondade e/ou maldade desqualificadora de mim.

Só que sem esses excessos me perdi. Deformada estou por isso tranquei todas as portas e janelas, mas vi pela fresta a luz que vocês acenderam e já não sei se lhes agradeço ou mato...

Um sinal de quem não é mais Julieta.