domingo, 13 de abril de 2008

Escrevo inflamada. Vista embaçada. Veias duras. Mel roendo os dentes. Dentes melando mel. Escrevo inflamada. Hoje mesmo a verdade me bateu à porta sutilmente: pediu-me que eu atentasse para o prejuízo. Porque é prejuízo viver assim sem juízo, aluada como manda meu coração. Aluada feito lua nova, feito ninfa do mato, feito menina antiga. A cabeça quase cai, guilhotinada como um bom castigo para uma alma em chamas. Chamas de um inferno lindo, azul e vivo.

Meus pulsos apertam. Apertados na corrente que me pus. Por proteção e amor. Agora sim eu escrevo de verdade que nem gente adulta. Não mais inflamada. Não mais louca. Nem mesmo olhando pra lua num desatino suave. Não. No centro. Pulsos apertados, olhar reto, o agora: o agora é assim, suave e manso. Ouço com delicadeza os sons do mundo: cantam morte num riso gostoso. Bradam poder fingindo amor. Mas eu volto. Ao centro. O centro é aqui, onde são ditas coisas certas. Direitas. Moça direita. Mulher inteira. Andando erguida, firme, mas por favor, que sejam femininos os passos. Assim, delicados. Firmes, delicados, gentis. Bom dia, boa noite, muito obrigada e até amanhã. Perdoe-me qualquer coisa, às vezes sou desastrada. Erro a linha da estrada. Mas eu volto, eu volto pra linha bem depressa. Tenho pressa. Não, não, a inflamação era uma doencinha besta que já tratei de curar. Pedi umas pílulas. Remedinho bobo, barato, coisa pouca. Isso. Sou saudável. Feliz. Contento-me com a beleza do raiar do dia por trás das grades da janela. Nunca um pensamento mau. Nunca a inveja. Nunca o ódio. Sou flor de laranjeira, borboleta azul, Estrela Dalva. Alva.

Amanhã eu acordo sem centro. Feliz na falta de centro. Lá e cá, cá e lá, boa e má. Um monstro com alma de anjo, demônio que faz caridade. Amor em chamas. Coisinha simples, incabível. Gosto desses pequenos instantes adolescentes que me tornam mais crescidinha na manhã seguinte. Ilusões de amanhecer.


Rebeca

domingo, 6 de abril de 2008

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Queridos,
Não peço desculpas pela minha ausência, acho que já desculpei a mim por ter ficado tão longe de meu próprio campo de visão.
Às vezes é preciso.
Antes pensava que isso era falta de amor, mas depois de tantos tijolos transpostos me atentei para o fato de que nada pode não ser amor.
Não! Não me faço mais Julieta para estranha afirmação. Não é com doce e receptivo útero que lhes proponho tamanha abstração.
Serei mais clara.
Quando num dia assim feito hoje, ontem e o que será amanhã caminhava por paredes de um Império estremecido, ouvia uma voz pueril a me torturar, sempre a puxar a barra de meu vestido longo e pesado. E eu queria apenas subir, subir até o teto.
Depois de cada passo tornar-se uma tonelada de culpa por não olhar para baixo, parei. Ouvi. Não fui mais puxada. Só queria saber tal voz, se eu já havia amado. Ah que vontade de dizer que não sabia nem do que se tratava. Que afronta!
Ódio, decepção, indignação. Onde amor, meu Deus?
Sorte a minha ter calado. Pensei, então que se não tivesse amado não teria exercitado ódio, decepção, indignação. Nenhuma dor. Seria pura e simplesmente indiferença.
Então amei. Não só quando dizia a ouvidos outros segredos, mas também quando devolvia os livros que não eram mais meus e ainda ocupavam espaço na estante. Não é mais o sentir das páginas de diário de uma donzela. Não é.
É aquilo que existe mesmo amassado, mesmo gritado. É não e sim, é mais o nada que o tudo. É o simples fato de escolher se a rua direita ou esquerda (o que convenhamos não é tão simples assim).
Só assim chego ao teto e desço ao chão, passeio por quinas e danço no ar.
E quem sabe, só assim poderei não mais falar de amor.
Com simplicidade de palavras,
Julieta.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Départir le partir

Mas eu cansei; a gente cansa dessa história toda de partir sempre e não fazer raízes em lugar algum. Não se brota sem raízes, meu amor, e eu, bem, eu devo ter algo escondido que pode brotar se eu passar um tempo em terras férteis, não? Todo mundo tem, eu sei disso porque há o que floresça mesmo em terrenos secos, áridos, espinhosos e brutos. Mas é que é preciso insistência. Não, teimosia não. Não é disso que digo. O teimoso não sabe escolher - ele insiste em tudo, e se algo dá certo não é nunca por algum investimento decorrente da percepção daquilo que lhe aparece como promissor, mas sempre por sorte. Não posso negar, por outro lado, que o teimoso seja um insistente, mas, veja bem, não era este o meu ponto. Deixa-me reaver contigo. É que o tempo passou e agora nessa idade em que me encontro não dá pra ficar mais à mercê da sorte. Teimosia só é coisa de criança porque criança tem tempo pra teimar. Mas agora eu preciso insistir, e não só insistir, mas insistir onde eu não possa não acertar. A permanência, e é aí onde eu queria chegar, a permanência, meu amor, é um requisito mais do que necessário, se é que assim posso dizer, para a insistência. Mas se não me pedes que fique, se não me pedes permanência, eu lhe devo exigir que vá. Agora é a sua vez – parta.
Parta. Agora que chove podes partir. Pega tuas roupas, amontoa esses amassos dentro de tua bolsa e siga como que para atravessar o arco-íris. Anda sem fim, faz tuas curvas; se decidires voltar, contorna meu corpo como objeto perdido do desejo e toma outra direção. Porque esse encontro, esse nosso encontro, já é antigo e, mais do que isso, o mesmo. Quando se deixa de sentir que pode ser diferente é que acabou. Tentar voltar é como, bem, tentar voltar é como colar um vaso de porcelana que caiu no chão e se quebrou. Uma parte não junta mais com a outra, entende o que lhe digo? Fica sempre o remendo, remoendo.