sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Minha querida Rebeca (ou Minhas caras segredistas),

Esta foi bem difícil, rapidinha e feita nas coxas mesmo...

Há dias venho batendo o queixo desde que li a nossa última carta, mas somente hoje acordei com a língua afiada. O que tenho aqui ainda não é uma carta, é apenas uma grosseira costura de nossas idéias. Conheço você por partes, minha querida, por viver você fragmentária. É assim que me chega sempre, aos pedaços. Juntei aos nossos trapos as idéias de uma amadora que, em plena madrugada, endereçou-me algumas palavras. É também a forma que encontrei de incluí-la nesse nosso instante de gravidez.

É pavoroso!, mas compartilho de um segredo: ando sofrendo ataques de indelicadeza com a aspereza do mundo. O mundo me deixa nervoso e eu ainda não sei o que fazer com isso. Estou cansado. Cansado dessa minha doçura embrutecida. Tentei abrir meus braços para cima e crescer, mas o que consegui foi um tremor nas coxas. A suavidade pode ser também de uma languidez pegajosa que,… Ah meu deus!, preciso dessa nossa vertigem que é escrever. Perverso e vivo – e por enquanto, desse jeito mesmo.

Um dia ainda escreverei cartas apaixonado. Mas acho que nunca deixarei de escrever desejando conseguir alguma espécie de organização. Uma ordem mínima que seja, mas que me faça passar pelo instante. É bem isso que você disse minha querida, uma organização que seja para que eu possa voltar a sonhar. Ou mesmo dormir, amadora.

Quero simplesmente respirar. E não aprendi a fazer isso sem ser me apoiando. Sem ter mãos para segurar. Perverso e vivo – com todos os riscos de me tornar clichê, repetitivo, de tomar partidos, ser influenciado e por aí vai. É, precisamente, por riscos que escrevo. Tenho medo de ir para cama sozinho. Eu quero a liberdade de me deitar com quem quiser e de poder dizer depois se gostei (gozei) ou não. A perversão, simplesmente, faz feliz. Ocorreu-me agora essa frase que li em algum lugar. Lembro que a achei simples e feliz.

A minha escrita é também extremamente furiosa. Diria até atormentada. “É como ter loucura sem ser doido”. Visto-me qualquer coisa próxima de um escritor e assim ganho mais mobilidade. A língua fica de repente afiada. Tosca e desordenadamente afiada. Por favor, minha querida, não quero fazer disso um refúgio! Sei que não me lê assim. A escrita nunca me compensou ou substituiu nada. Ela é mais como um último recurso que mantenho. Um sopro de vida nesse nervosismo de mundo…

Saudades

D. L.

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