segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Baseado em uma perversão:

Ultimamente, o que tem sido o meu consolo é a aparente rotação do mundo e a esperança de que ele insiste lentamente nisso. Mas mesmo sabendo que nada dura além do que precisa ser, sinto com este corpo que qualquer mudança é com muito custo. E às vezes não sei esperar a demora de uma mudança, ou simplesmente me recuso. Então apoio as mãos bem abertas na parede e exerço pressões fazendo força com os pés para ajudar o mundo a girar um pouco mais depressa.

E que mesmo sendo muito jovem, tenho todo tempo do mundo. Mas o tempo é petulante a ponto de passar mais rápido do que o mundo consegue girar. Isso faz a gente não aparentar a idade que tem. Mas e se esta for realmente a idade que se tem e o mundo é que por piedade resolve girar devagar?

A pior coisa não é sofrer a impaciência da espera de uma demora, mas ter demorado demais em uma delas. Talvez essa seja a piedade do mundo me dando a chance de não me obrigar à imprudência de esperar demais. A sensação é a de ter a vida passando pela janela.

e Observando: Foi assim que me dei conta de um novo vizinho que, segurando um livro, vem recostar-se ao pé do tronco largo de uma mangueira velha todo o fim de tarde. Acho que gostariam de ver o que vi meus amores. É peculiar a forma como lê o livro. Ou como nos engana. Com a cara enterrada nas páginas amareladas, o vizinho apóia o livro nas pernas dobradas e na parte inferior do abdômen, deixando as mãos livres de qualquer peso. E assim, com os lábios semi-cerrados mantêm os olhos serenos fixos num ponto da folha e acaricia fogoso as bordas das páginas que se desprendem do bolo. Isso tudo aparentemente distante, com respiração um pouco contida e rosto ligeiramente avermelhado. Olhando mais de perto nota-se o quanto seus dedos já foram molestados pelo fio das páginas – estão com as pontas literalmente-fodidas. Fim

Uso a palavra espera porque preciso mesmo de uma brutalidade. É quando de fato sinto que algo, enfim, mudou. Quando sou arrancado violentamente de mim mesmo e do mundo, ou quando não consigo simultaneamente caber nos dois, e então sou obrigado a me fazer de novo. Estabanado e sem habilidades de qualquer espécie. É por isso que por vezes espero além da conta – é porque quero alguém que me traga respostas, que me dê o que fazer ou que me leve para longe, onde tudo isso que se seguiu até agora virou tudo mentira. Não tenho coragem.

Talvez um lugar onde perder o sobrenome é também perder o mundo seja suficiente – mas agora já me dei conta de que estou num lugar desses, e eu é quem insisto no nome. Polissemia. Sempre gostei de brincar com isso, de ler os textos ao contrário. De achar palavras dentro de palavras. Assim, nunca fui de entender bem, acho que sempre criei um entendimento para mim. Um entendimento secreto do mundo.

Não escrevo essas cartas lamentando ou esperando algum tipo de iluminação – esse alguém que vem me trazer respostas ou me levar do mundo. Permita-me o roubo Rebeca, mas é também porque preciso. Penso à maneira de um escritor. Às vezes tenho que me imaginar escrevendo o pensamento para conseguir pensar efetivamente. Escrever é o modo que tenho de achar a concretude dos sonhos. Um nada de onde conseguimos tirar um mundo de coisas. (Talvez, escrever possa ser justamente a minha coragem. Escrever é o modo pelo qual intensifico essa minha perturbação ao ponto da brutalidade de que preciso para mudar. Enfim, obrigado a passar. Uma escrita corajosa). Mas já escrevi demais sobre isso. A diante.

Polissemia não é liberdade. Foi o que aprendi nesses anos de entendimento confuso. E que sinônimos são as coisas mais desprezíveis para um texto. Uma espécie de enriquecimento estético que pode devastar o sentido que custosamente vem à tona. Odeio quem perversamente troca alhos por bugalhos.

E mesmo não livre, a polissemia permite alguma brincadeira. É com ela que entalho assimetrias tão harmoniosas que parecem simétricas. Só que ainda me sinto compelido a dizer coisas. Compelido talvez não seja a palavra exatamente pelo que me obriga a dizer. É isso, vou trocar compelido por obrigado. Às vezes sinto que a polissemia me permite uma mobilidade maior, mas que também me desobriga da mudançaobilidade maior - uma peido talvez – uma gama de rostos para espalhar e fingir que finjo que finjo que não sei.

Sempre fui uma pessoa muito ansiosa. Anseio pelo momento de sair exuberante e me perder…, mas freqüentemente fico só na ânsia. É quando recorro à polissemia – quando me recuso a comer.

Sem mais delongas por hoje.

Polissemicamente,

D. L.

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