sábado, 23 de fevereiro de 2008

De tempos em tempos...

O tempo me pediu um tempo. Há alguns dias era eu quem sofria de ansiedade diante do silêncio. E agora o silêncio me conta segredos do tempo. Vou contar:

O Tempo certo dia acordou cansado. Rastejou a manhã inteira à espera de uma luz. Era uma manhã surpreendentemente escura. Sem Sol. E o Tempo, assustado, compreendeu que não era ele quem fazia o Sol se erguer detrás do morro. O Sol, o mato, as aves e o nascimento dos bebês: tudo isso seguia independente do Tempo, no caminho torto do devir. Nasciam bebês porque homens e mulheres copulavam e depois as mulheres esperavam vários meses de corpo em transformação para, enfim, a nova vida (talvez) acontecer. A vida sempre quis acontecer, e pouco se importava com o tempo. E, se um dia a vida inventasse de parar - o que me parece impossível - o Tempo continuaria seguindo em círculos, rumo ao nada e ao nunca mais. Porque também a morte independia dele e estava visceralmente ligada à vida. Foi por isso que, quando a luz não veio, o Tempo se fez perdido e fraco, insistiu para morrer ou para voltar a ser dono do mundo. Acontece que aquele Tempo era meu. Cada Tempo tem seu dono e a ele se submete sem saber. Meu Tempo de repente teve pressa. Medo do escuro. Vontade de não sei o que. Meu Tempo acelerou porque assim ele e eu desejamos. E quando, enfim, o Sol se ergueu, meu Tempo pediu um tempo.

Hoje, queridos, não é que eu esteja sem tempo. Na verdade, há sempre algumas horas ou pequenos minutos que nos servem muito bem para uma carta, um afago, uma olhada de relance para o espelho. Mas a verdade é que nada disso eu andei fazendo. Não pude escrever porque as palavras me saíam duras como o relógio concreto do horário comercial. Os afagos eu guardei no coração, porque tomei certa aversão ao excesso: todo amor do mundo se converteu em falsidade, melodrama, cena de novela da TV. Eu não assisto televisão. Sou de outro tempo. De bordados e tricôs. Acordei velha há alguns dias. E só faço envelhecer mais e mais. Por isso também evitei o espelho.

O prazer me aconteceu algumas vezes: pegou-me de surpresa. Sempre acho que o prazer tem gosto e cor de groselha. E cheiro de cereja. Ou de frutas tropicais. O prazer tem um suco de cores que se transformam. E faz cócegas na garganta. Mas foi breve. Foi então que Romeu Montecchio perguntou onde estava Julieta Capuleto. E então eu soube novamente - pela terceira vez na vida - daquela verdade repetida e clichê: esses encantos excessivos só se eternizam na tragédia. Julieta viva é Julieta Qualquer. Pode ser chamada Maria, Cecília, Beatriz ou Dulcicleide. Julieta viva sou eu. Com planos, sonhos e cansaços de mulher comum. Nada trágico, é tão-somente o tédio. Não uma adaga no peito ou um veneno de mentira: só uma preguiça de fim de tarde e vontade de descansar nos braços de um irmão-amante. Mortal, moral, espelho ordinário de outras tantas vidas. Feliz nas sutilezas.

Pergunto a vocês: pode o amor ganhar novos nomes e diferentes cores? E pode o Tempo ter paciência diante do amor-ordinário? Meu Tempo sossega enquanto ainda é tempo. E eu ainda acredito que um enlace de pernas entediado de uma tarde pode inventar doçuras de groselha e gozo. Amor brincante.

Brincando sem rumo, cansada e viva,

Rebeca

Um comentário:

Anônimo disse...

Ah, o tempo...

Seria ele o senhor da razão?Quantas vezes já não ouvimos "dê tempo ao tempo." Aí eu pergunto, "pra que???"

Por um acaso ele irá curar nossas feridas?? Feridas essas causadas por um amor-ordinário, daqueles bem xinfrins???? Talvez sim, talvez não... O problema disso tudo é que esse amor-sem vergonha é o causador das maiores feridas, aquelas que vão fundo na alma e que somente com o tempo, mas põe tempo nisso é que são curadas...

Mas como tudo nessa vida um dia passa, essa dor parte e você redescobre um mundo inteiro ao seu redor, com seus cheiros, suas cores e seus sabores...

Ah, é tão bom voltar a viver, experimentar novamente o amor, sentir seu cheiro, seu gosto, seu sabor... Se eu acredito que o amor pode adquirir novos nomes e diferentes cores???? Claro que sim e essa é justamente a graça de se viver, pois acredito piamente que nós, seres humanos, não viemos à esse mundo para ficarmos presos somente a um amor apenas. Somos sim, capazes de amar várias pessoas, é claro, que cada uma em tempos diferentes, caso contrário, vira bagunça...

Ah, e como é doce o gosto do amor, não sei ainda se é como o de groselha, mas que é doce ele é...
Então, uma coisa eu digo, não tenham medo de experimentar o doce gosto do amor, não o ordinário, mas o verdadeiro, aquele onde a entrega de ambas as partes é igual, é inteiro...

Curtam muito, entrelacem bem as pernas, façam conchinha, se percam nos olhos da pessoa amada e sobretudo, esqueçam do tempo, pois infelizmente, ele passa rápido demais quando seu/sua amado(a) estão ao seu lado...

Ósculos e amplexos à todos!!

Gustavo