segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Paranoiando



Não tenho tempo para esperar, peço desculpas. Suas demoras alimentaram minha paranóia - ou eu ainda não havia contado? Não havia contado, então, que sofro de um medo absurdo dos inimigos que me perseguem naquelas horas em que meus amigos faltam? Pois bem, conto agora. Não me envergonho. Não há quem não tenha um inimigo, nem que seja daqueles sutis, escondidos, velados - inimigos que sorriem. Eu me tremo toda por causa de inimigos que sorriem. Não um Romeu Montecchio. Montecchios e meninos-amantes nunca foram inimigos. Por Deus, Julieta, você bem sabe disso. Sua mãe já deve ter contado aquele segredo: os maiores inimigos são mulheres. Sabe como? Essas, querida. Inimigas íntimas. Cheias de doçura. Sou uma delas - uma de nós, e agora deixo Dorian de fora desse nosso segredo (embora eu saiba que ele haverá de ler).

Preste atenção: Não digo de inimigas de seus ideais de vida, suas visões políticas ou qualquer coisa assim. Essas são inimigas simples, claras, retas. Digo das outras. Digos de quando são inimigas da sua nuca-à-mostra, da sua pureza, de seus orgasmos, ou, quem sabe, do amor que lhe dedicam as crianças, os homens e os passarinhos.

Tenho, pois, uma inimiga. Ou algumas. Dessas inimizades mesquinhas mesmo. Não me dou bem com os tornozelos de rainha de uma delas e, por vingança, faço com que ela brigue para sempre com meu ventre em chamas. Frígida e bela, aquela. Cor de gelo e cristal. Outra já não suporta minha sutileza: exige de mim um grito de gralha. Dou a ela vinho, violino e uma frase em francês. Provocação. É que odeio nela a altivez, a força e o nariz-fininho-em-pé. Dá ordens como uma rainha má. E todos se curvam - se por amor ou por medo, pouco importa, são delas rendidos. Não meus.

Há outras. Essas mal sabem. Passam diante dos olhos dele - o escolhido por mim - e eu jamais permiti que fossem mais esvoaçantes ou belas ou risonhas ou brilhantes e, por vezes, tenho vontade de decretar uma lei: "a nenhuma outra é permitido que me supere, nem em beleza nem em encanto, nem em talento nem em doçura, ao menos diante do meu amado - o Rei.". E então me lembro: não sou rainha má nariz-fininho-em-pé. Não se curvam, essas meninas. Mal se intimidam. Continuam dançando em suas volúpias. E véus, fantasias, levezas e líquidos.

Volto-me, então, para a última. Inimiga restante. Dela tenho a carne e o desejo. Atende por um nome de mulher. Por vezes é molequinho perdido. Termino, Julieta, com o maior dos clichês: "Espelho, espelho meu, que inimiga minha é mais forte que eu?" Mas é por pura vaidade, veja se consigo me fazer entender: se as maiores inimigas são mulheres, mais mulher que todas as outras será a inimiga-mor - a inquisidora.

Mudei de idéia, quanto a uma carta antiga: quem é fêmea é a maldade. Também a inquisição. A desrazão. A paranóia. A morte.

Despeço-me de você, inimiga-amiga. Perdôo sua falha se você mandar bem depressa uma resposta.
Até breve.

Rebeca

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