segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

,


Por medo escrevo.

Tive medo de que não mais me matasse, Rebeca. Ninguém no mundo além de você me apunhala assim. Você me presenteia com a possibilidade do que ainda não havia vivido, com algumas das restantes vidas de um gato sem raça. Espero que eu tenha mais de sete.

Minha mãe, hoje mesmo, contou-me um segredo enquanto arrumávamos os copos cotidianos como se fossem cristais (esses só para os dias de festejo). Contou-me que vez
ou outra deveríamos conversar com Deus e pedir que morrêssemos agora para então re-viver no próximo instante do agora.

Você é Deus, Rebeca? Infiltra-se da célula mais superficial da pele, até a mais escondida dos meus átrios e num golpe mostra que se só de pão consigo existir, devo então lutar por mais. Só pão não me basta.

Obrigada por me fazer entender.

Obrigada por ter ouvido sua voz mais de perto do que quando leio suas cartas, sim, sou eu quem leio, mas sua voz é quem dita em meu corpo estremecido os venenos que me concedem a vida.


Peço desculpas a vocês pela demora a escrever. Passou por mim uma brisa sombria que soprava gelo. Vislumbrei palavras congeladas e não queria que as minhas assim ficassem. Tive pavor de que elas se tornassem algo diferente dos gestos que nunca são iguais apesar de quando em cartaz sejam encenados milhares de vezes. Eles são únicos, eles têm som, textura, cor e gosto.

Quero que minhas palavras sejam assim, sei que não as tolheriam, nem fariam delas ponto final, mas por zelo as guardei em uma caixinha de madeira atrás do guarda-roupa. Só depois percebi que eu mesma as sufoquei.

Sinto-me à vontade em agora dizer: “Odeio os Montecchios”, sei que entendem todo o movimento dessa frase, bem como, quando digo que amo.


Com todas as vidas que terei e minhas tolas e simplórias palavras,
Julieta

Nenhum comentário: